Criticada na época da Kiss, estrutura de bombeiros pouco avançou no RS
Falta de efetivo em Santa Maria é contornada com horas extras, diz coronel.
Associação de bombeiros defende separação da Brigada Militar.
Ao mesmo tempo em que estabelece mais rigor na fiscalização para evitar que tragédias como a da boate Kiss se repitam, a lei contra incêndios aprovada no Rio Grande do Sul preocupa o Corpo de Bombeiros, que terá cumprir o aumento nas vistorias com o efetivo disponível. Em Santa Maria, local do incêndio que matou 242 pessoas, a falta de estrutura é compensada pelo aumento de horas extras pagas.
Com a elevação da cota de horas extras de 2,1 mil para 5 mil ao mês para o 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros (CRB), com sede em Santa Maria, é possível realizar uma média de 900 vistorias por mês. A ausência de efetivo foi o principal problema encontrado pelo coronel Marcelo Maya ao assumir o CRB, em 28 de março de 2013.
Ele ocupou o cargo de Moisés da Silva Fuchs, investigado no inquérito policial militar sobre a tragédia e posteriormente denunciado pelo Ministério Público. Ao chegar, constatou que, ao contrário do que havia ouvido na época, uma possível falta de equipamentos não contribuiu para o grande número de mortes. "Naquele dia, tínhamos 19 máscaras, e foram usadas oito na ocorrência. Não foi este o problema", destaca.
Por outro lado, o efetivo era pequeno, sobretudo se considerada a necessidade de ampliar a fiscalização dos planos de proteção contra incêndios (PPCI) de todos os estabelecimentos da cidade. Uma força-tarefa foi montada, e os trabalhos foram retomados em abril. Havia cerca de 1,8 mil solicitações de inspeção pendentes, o que fez com que o setor de prevenção fosse reforçado. De 14 integrantes, a equipe passou a ter 31. Além da vasta lista de pendências, encontraram um aumento da demanda.
"Antes tínhamos menos de 200 pedidos de inspeção por mês. Do início de fevereiro para cá, temos em média 450 pedidos", estima o oficial.
Quase um ano após a tragédia, o Corpo de Bombeiros do estado ainda convive com a falta de estrutura pessoal e de caminhões. O incêndio expôs ainda mais uma discussão histórica, sobre a separação da corporação da estrutura da Brigada Militar, dando mais autonomia e permitindo um orçamento exclusivo.
"O Corpo de Bombeiros tem tentado investir e recuperar os veículos com problema. Em 2013 adquirimos com dinheiro do estado 28 caminhões para suprir essa deficiência, que na verdade é histórica", reconhece Eviltom Pereira Diaz, comandante da corporação no Rio Grande do Sul. "No efetivo também temos uma deficiência histórica, mas este ano incluímos 600 soldados e vamos incluir outros 400 em 2014", garante.
O coordenador da Associação dos Bombeiros do Rio Grande do Sul (Abergs), Ubirajara Ramos, defende a separação da corporação da Brigada Militar. "A solução é a independência. Isso já foi comprovado nos outros estados e em outros países. Com a separação, se passou a prestar um melhor serviço para a sociedade", defende.
Para o bombeiro, haveria também maior qualificação do efetivo. "Defendemos que, se o Corpo de Bombeiros fosse um órgão independente, teria uma formação específica, pois hoje ela é muito voltada para a atividade policial", defende.
Apesar de já ter sido aprovada, a nova lei estadual ainda depende de regulamentação. Os bombeiros pretendem enviar ao governo do estado até o fim do mês uma proposta para poder colocar a legislação em prática. O aumento no número de vistorias preocupa.
"Já é difícil hoje, mas nós temos incrementado mais a prevenção, tirando pessoas de outros locais e aumentando o efeitvo na prevenção", afirma o comandante Eviltom.
Setor de inspeções foi reformulado em Santa Maria
A prevenção também foi reforçada em Santa Maria, de acordo com o coronel Maya, comandante do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros. "Estamos nos especializando em chegar antes do incêndio, evitando que ele aconteça. Como aconteceu esse episódio, toda a resistência que existia para realizar a prevenção a incêndios em todo o estado não existe mais", disse o oficial ao G1.
Para dar conta não apenas dos novos pedidos, mas também das solicitações pendentes, passaram a ser realizadas em média 900 inspeções ao mês, conforme estimativa de Maya.
Durante a realização da força-tarefa, o major Gerson de Freitas Marques reestruturou o setor pelo qual passou a responder. Apenas quatro integrantes do antigo setor de prevenção permaneceram. O procedimento da inspeção também ficou mais trabalhoso.
"O pessoal do setor de prevenção foi investigado no inquérito, e foram apontadas irregularidades. Pensamos que estávamos trabalhando exatamente como a regra mandava e estavam dizendo que estava errado. Então paramos tudo para ver como iríamos fazer", disse Maya.
Uma dessas irregularidades apontadas seria o uso do Sistema Integrado de Gerenciamento de Prevenção contra Incêndio (SIGPI), software que de acordo com a Polícia Civil e o Ministério Público isentava os bombeiros de exigir uma planta do local onde Plano de Proteção Contra Incêndios (PPCI) seria aplicado.
Maya afirma que o programa segue sendo utilizado, porém cerca de um mês após a tragédia voltaram a ser exigidos as plantas e até 11 memoriais descritivos, com a devida assinatura de um engenheiro ou arquiteto.
"Veio a ordem e ninguém mais discutiu. Voltamos a usar a chamada Portaria 64, exigir tudo. É o que fazemos hoje. Torna o processo um pouco mais lento, mas estamos dando conta. Nos estruturamos para fazer isso", disse.
O oficial reconhece, no entanto, o quanto uma fiscalização mais rígida melhorou o sistema de prevenção a incêndios no estado. A ponto de descartar a existência de uma casa noturna com tantas falhas como era a Kiss. "Se você entrar em qualquer boate de Santa Maria, e arrisco dizer de todo o Rio Grande do Sul, não vai encontrar condições nem sequer parecidas às daquela boate", declarou.
No início do ano, uma inspeção demorava até quatro meses e meio para ser realizada após ser marcada em Santa Maria. Hoje, o proprietário que solicitar a visita do Corpo de Bombeiros ao local espera cerca de 25 dias pela visita. Estabelecimentos importantes, como hospitais, são inspecionados já no dia seguinte ao da solicitação.
Em Porto Alegre, a corporação diz que a espera é de 17 dias. "Algumas pessoas falam que demorou 30, 40, 50 dias. A previsão da lei anterior era de 30 dias. Só que temos que considerar que muitas vezes o proprietário precisa retirar o projeto para adequação. Esse tempo tem que ser interrompido. Queremos corrigir isso com a nova regulamentação", diz o comandante do Corpo de Bombeiros do estado.
Com tantos profissionais destacados na prevenção, o desafio era manter o setor de combate ao incêndio reforçado. Em Santa Maria, há três quartéis dos bombeiros: o principal fica no Centro, o do bairro Camobi, onde fica a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) fica a leste e o do Parque Pinheiro, no oeste. Em alguns momentos, antes do incêndio, um dos dois últimos chegava a ser fechado quando faltava efetivo.
"Não detectamos falta de equipamento para o efetivo que tínhamos disponível. O que precisávamos era gente. Tivemos um pouco de aumento de gente, ganhamos mais 18, e depois perdemos 24", conta o coronel.
Com o aumento na cota das horas extras em junho, os profissionais começaram trabalham por mais tempo, mas com remuneração garantida. Atualmente, Santa Maria tem em média 17 bombeiros trabalhando por dia. “Este aumento para 5 mil horas extras fez toda a diferença”, explicou. Atualmente, a cada dia 17 bombeiros aguardam chamados para atender ocorrências.
O coordenador da Associação dos Bombeiros do Rio Grande do Sul (Abergs), Ubirajara Ramos, a corporação está presente em apenas 20% dos 497 municípios do estado, e ainda faltam pessoal e equipamentos.
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fonte:
G1
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