sábado, 6 de abril de 2013

Qual o futuro do SIG-PI ? Entrevista com o Comandante da Brigada Militar

Sistema sob suspeita liberou 121 mil alvarás de incêndio no Rio Grande do Sul

Criado para agilizar vistorias, software usado pelos bombeiros é definido no inquérito da boate Kiss como "falho, incompleto e simplificado"
Por: Adriana Irion e Humberto Trezzi
 
No Estado, há 121 mil alvarás de prevenção a incêndio emitidos a partir do Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndio (SIG-PI), o mesmo usado para dar o documento à boate Kiss, que incendiou em 27 de janeiro.
 
     Ao afirmar na conclusão do inquérito que o sistema é "falho, incompleto, simplificado ao ponto de dar primazia à quantidade (de vistorias) em detrimento da qualidade (segurança)", a Polícia Civil colocou em dúvida a eficácia de um mecanismo gestado pelo Corpo de Bombeiros. Ele foi criado há oito anos para driblar a falta de efetivo e alavancar a quantidade de inspeções que deveriam servir para a prevenção de incêndios.
 
     Na página 42 do relatório de conclusão da investigação, os delegados que trabalharam 55 dias para esmiuçar as circunstâncias da tragédia que matou 241 pessoas foram contundentes: "...ficou evidenciado que o sistema SIG-PI teve colaboração para o incêndio que ocorreu na boate Kiss e, consequentemente, nas mortes e lesões que dele decorreram."
 
     A forma de manter o SIG-PI funcionando está em debate pela Brigada Militar. A investigação das circunstâncias do incêndio revelou que o uso do sistema estaria desvirtuado. Um mecanismo que deveria servir para a fiscalização — e consequente emissão de alvará de prevenção a incêndio — de prédios de até 750 metros quadrados e de risco pequeno, passou a ser usado indiscriminadamente, sem análise de plantas baixas e croquis do imóvel. É o que foi apurado pela polícia no caso da boate Kiss.
 
"É nítida a opção pela quantidade"
 
     Os bombeiros tinham apenas dados básicos da casa noturna anotados no SIG-PI e, mesmo assim, concederam aos proprietários licença para abrir o estabelecimento. Com uma única saída, sem sinalização de emergência e com guarda-corpos instalados no ambiente, o local virou uma armadilha, que aprisionou as vítimas na hora do fogo.
 
     O comando da Brigada Militar não sabe informar quantos dos 121 mil alvarás se referem a casas noturnas ou a outros locais de aglomeração de público, cujo risco de incêndio é classificado em lei como "médio". Sendo local de risco médio ou grande, as exigências em relação aos sistemas de prevenção de fogo são maiores. Para verificar as falhas na concessão do alvará de incêndio da Kiss, a Polícia Civil ouviu, entre outros, 28 bombeiros da ativa e da reserva. É consenso que o SIG-PI, criado para cortar a burocracia, acabou garantindo agilidade, o que é positivo, mas em detrimento da segurança.
 
     No inquérito que investigou a tragédia da boate Kiss, o delegado Sandro Meinerz definiu da seguinte forma o sistema:
"As falhas do SIG-PI começam com a eliminação da necessidade de um responsável técnico... Ou seja, pessoa com formação própria na área de engenharia ou arquitetura, desconsiderando locais onde há aglomeração de pessoas ou que contenham outras peculiaridades relativas à segurança da população... é nítida a opção pela quantidade de alvarás em detrimento de condições mínimas de efetiva segurança técnica".
 
     A agilidade do processo pode ser provada em números: segundo oficiais que participaram da criação do SIG-PI em Caxias do Sul, antes do sistema existir, os bombeiros faziam cerca de 15% a 20% das vistorias necessárias. Com o SIG-PI, estariam conseguindo contemplar 90% do trabalho.
 
     Enquanto aguarda as conclusões das investigações feitas pela BM, o comandante-geral da corporação, coronel Fábio Duarte Fernandes, arrisca uma avaliação:
— O SIG-PI é uma excelente ferramenta para prédios simplificados. A partir daí, temos que agregar outras coisas: ART(responsável técnico), que ele não exige, as plantas, que ele não exige. Porque senão fica um negócio muito simples, e tira a responsabilidade do bombeiro. Alguém tem que ser responsável por isso.
 
"O SIG-PI tem problemas", diz comandante-geral da BM
 
     O comandante-geral da BM, coronel Fábio Fernandes Duarte, admite que o SIG-PI tem problemas e que precisa ser modificado:
Zero Hora — O inquérito diz que o SIG-PI é falho, temerário, precário. O senhor pensa em acabar com o sistema?
Fábio Fernandes Duarte — Não sei se acabar ou aperfeiçoá-lo. Mas ele (SIG-PI) tem problemas.
ZH — O SIG-PI é usado em todo Interior Quantos podem ter sido emitidos com os mesmos erros?
Fábio — Estamos revisando.
ZH — Qual o futuro do SIG-PI?
Fábio - Ele precisa ser adequado. Na minha visão ele é muito eficiente para um sistema simplificado.
ZH — O senhor concorda com a conclusão da polícia de que o SIG-PI prioriza a arrecadação em detrimento da qualidade das vistorias?
Fábio - O sistema agiliza o processo, não é questão de benefício arrecadatório. Ele veio para resolver uma parte desse processo.
ZH — Será que essa parte, a da celeridade promotiva pelo sistema, não está comprometendo a segurança?
Fábio — Se ele não for utilizado adequadamente, ele compromete a segurança (dos prédios). Caso seja utilizado de forma inapropriada, pode comprometer a segurança. O SIG-PI é feito para determinado objetivo. Se desvirtuar, pode ter consequências graves.